Assembleia Legislativa aprova calote das RPV’s

Na madrugada do dia 28 para 29 de junho a Assembleia Legislativa aprovou o Projeto de Lei 191/2011, com 29 votos a favor e 22 contrários, que previa drásticas alterações na forma de pagamento das Requisições de Pequeno Valor - RPV’s (condenações até 40 salários-mínimos).

Em 15/07/2011 houve a sanção por parte do Governador e, em 18/07/2011, a publicação no Diário Oficial, passando a figurar como Lei nº 13.756/2011.
Como este PL 191/2011 tramitou em regime de urgência na AL, a Comissão de Constituição e Justiça – CCJ não teve oportunidade de analisar a sua constitucionalidade.
Sendo assim, os deputados estaduais que votaram a favor do PL 191/2011, além de prestarem um desserviço aos milhares de credores de RPV’s, aprovaram um Projeto de Lei declaradamente inconstitucional, não sendo a toa que o Governo o encaminhou em regime de urgência, pois se houvesse análise pela CCJ, certamente tal PL sequer iria a votação.
Em apertada síntese, a Lei nº 13.756/2011, recentemente aprovada, prevê a limitação dos pagamentos das RPV’s, vinculando assim o equivalente a 1,5% da Receita Corrente Líquida mensal para adimplemento de tais dívidas judiciais.
A Lei também prevê alteração do prazo de pagamento das RPV’s, que era de 60 dias da inscrição da Requisição. A Lei agora determina que as RPV’s que tenham valor total de até 07 salários mínimos sejam pagas em até 30 dias da data da sua inscrição, e aquelas que tenham valores entre 08 até 40 salários mínimos sejam pagas em até 180 dias. Muito não precisa ser dito para constatar a evidente inconstitucionalidade da Lei em questão.
A primeira inconstitucionalidade reside no fato de que está a impor uma limitação no cumprimento das decisões judiciais transitadas em julgado. Ou seja, até então não existia “fila” com ordem cronológica para pagamento de RPV’s, justamente porque se tratava de condenações em que o valor não ultrapassa o limite de 40 salários mínimos e, portanto, deveriam ser pagas no prazo máximo de 60 dias, independente de ordem. Não havia receita vinculada para pagamento de RPV’s, e jamais poderá haver, porque se trata de um instituto totalmente distinto do Precatório, que possui forma própria de receita e de pagamento.
A Constituição Federal prevê, no artigo 2º, que os Poderes da União (Legislativo, Executivo e Judiciário) são independentes e harmônicos. Neste caso, os termos da Lei nº 13.756/2011 acaba por ferir a independência e harmonia com o Poder Judiciário, na medida em que está prevê uma limitação no cumprimento das decisões judiciais, pois os valores mensais que a Lei se propõe a destinar para pagamento das dívidas com RPV’s, acaba sendo muito inferior ao que hoje é inscrito.
Outra inconstitucionalidade reside no fato de que os parágrafos 3º e 4º do artigo 100 da Constituição Federal assim dispõem:
Art. 100 - § 3º. O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
§ 4º. Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social.
O parágrafo 12 do artigo 97 do ADCT, por sua vez, possui a seguinte previsão:
§ 12. Se a lei a que se refere o § 4º do artigo 100 não estiver publicada em até 180 dias, contados da data de publicação desta Emenda Constitucional, será considerado, para fins referidos, em relação a Estados, Distrito Federal e Municípios devedores, omissos na regulamentação, o valor de:
I – 40 salários mínimos para Estados e para o Distrito Federal;
II – 30 salários mínimos para Municípios.
Como se pode ver, o § 12 do artigo 97 do ADCT foi trazido pela inovação da EC 62/09, prevendo que os Estados deveriam editar Lei alterando os limites das RPV’s no prazo de até 180 dias da publicação da Emenda, fato este que não ocorreu, estando, portanto, preclusa qualquer alteração com relação a valores das RPV’s.
Ou seja, a EC 62/09 possibilitou aos Estados alterar os LIMITES das RPV’s e não o procedimento de pagamento. Tendo passado o prazo que a Constituição possibilitava para alteração dos LIMITES DAS RPV’s, e não o fazendo, não cabe agora querer inovar e querer alterar o PROCEDIMENTO DE PAGAMENTO DAS RPV’s.
Como já deveria ser de conhecimento, ao Estado cabe fazer tudo que está previsto em Lei ou na Constituição. Desse modo, na medida em que a Constituição não previu a possibilidade dos Estados alterarem a forma de pagamento das chamadas RPV’s, mas sim os seus limites (o que deveria ter sido feito em até 180 dias da publicação de emenda), não há como inovar, restando clara a inconstitucionalidade da Lei nº 13.756/2011.
Existe a regra de que ao cidadão é lícito fazer tudo que a Lei não proíba.Porém, aos Estados, União, Distrito Federal e Municípios, só é dado fazer o que está previsto em Lei. Portanto, no caso da Lei nº 13.756/2011, deveria haver dispositivo legal permitindo aos entes fixarem a forma que querem realizar seus pagamentos de RPV. De modo que, como tal legislação não existe, não há, portanto, como pretender alterar a forma de pagamento das RPV’s.
Somado a tudo isso, a Lei nº 13.756/2011, da forma como aprovada, fere a intenção da EC 45/04, que foi criada com o objetivo de melhorar a efetividade do cumprimento das decisões judiciais, estando, portanto, na contramão das conquistas constitucionais até então realizadas.
A aprovação da Lei nº 13.756/2011 não serve de fundamento para o “Plano de Sustentabilidade Financeira do Estado”, uma vez que as RPV’s nada mais são do que dívidas, e não despesas. Ademais, a projeção da Secretaria da Fazenda do RS para pagamentos de RPV’s para 2011 é em torno de R$ 40 milhões a mais do que o Governo anterior pagou, valor este que jamais poderá comprometer a saúde financeira do Estado, até porque, segundo o Secretário da Fazenda, houve um aumento da arrecadação do Estado em 17%, o que comprova que há sim recursos para pagar as dívidas judiciais.
Desse modo, não resta dúvida de que o Parlamento Gaúcho prestou um desserviço aos credores de RPV’s, autorizando o Governo Estadual a aplicar um novo calote, a exemplo do que vem acontecendo com os precatórios.

Assembleia Legislativa aprova calote das RPV’s
Ricardo Hanna Bertelli
Assessor Jurídico do Sinapers